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VIRANDO DO AVESSO O INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DOCENTE: PELA MANUTENÇÃO DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA E DA LIBERDADE DE CÁTEDRA

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Introdução  Em assembleia realizada no último dia 24 de março, os docentes rechaçaram, por unanimidade, a proposta de instrumento de avaliação de desempenho docente elaborada por uma comissão do Conselho Universitário da UEL. (Confira mais informações clicando aqui.)  Neste boletim, recuperamos alguns dos pontos levantados naquela assembleia e acrescentamos outros, que destacamos a seguir 
  1. Questiona-se a aceitação, por parte das administrações, da ingerência de organismos externos à universidade, como o Conselho Estadual de Educação. Tal ingerência viola a autonomia universitária e ignora a diversidade dos campos de conhecimento da universidade pública, que, por sua natureza, não comporta a adoção de “processos unificados” de avaliação; 
  2. A UEL já dispõe de mecanismos para avaliar o seu funcionamento acadêmico e administrativo e a avaliação de desempenho docente já se realiza cotidianamente no âmbito dos departamentos, respeitando-se sua autonomia, particularidades e áreas de ensino e do saber. Além disso, eventuais faltas disciplinares podem ser coibidas e punidas, inclusive com a exoneração do docente, nos termos do Regimento e Estatuto da UEL;  
  3. Uma avaliação de desempenho docente, nos moldes empresariais propostos, pode desmontar as maiores conquistas das universidades públicas brasileiras: a autonomia universitária conjugada com a liberdade de expressão e de cátedra, a pluralidade de pensamento e a forma democrática de gerir o seu cotidiano, com eleições livres para todos os cargos administrativos e acadêmicos. Ao garantir a coparticipação responsável de toda a comunidade universitária, a UEL cumpre a sua função social, amparada no tripé ensino/pesquisa/extensão, conforme definem a Constituição de 1988, o estatuto e os regimentos internos. É a partir dessa conduta e funcionamento que a UEL tem conquistado os maiores rankings nacionais e internacionais de avaliação acadêmica; 
  4. Considera-se incorreta a ideia, constante do relatório da Comissão, de que a UEL não aplica a legislação no que diz respeito à avaliação docente, o que tornaria necessária a construção de um instrumento de avalição específico. Todas as atividades dentro da universidade têm amparo legal, seja no ensino, na pesquisa, na extensão ou na administração. O funcionalismo público, de modo geral, e os docentes, em particular, são avaliados cotidianamente nas suas diversas esferas de atuação. Na verdade, o que se procura impor, agora, nada mais é do que uma métrica que, no limite, consistirá em um mecanismo de controle cerceador e punitivo; 
  5. O instrumento terá como efeito atingir a individualidade e a liberdade docentes. Seus mecanismos avaliativos e uniformizados afrontam os direitos individuais e fundamentais e constituem uma forma de controle social; 
  6. O instrumento poderá causar mais adoecimentos entre os docentes, pois, embora anuncie um caráter formativo, poderá facilmente deslizar para posturas punitivas e competitivas. Não será estranho, portanto, que venha a gerar mais estresse, depressão e até mesmo pânico, conforme indica a literatura acerca de instrumentos de avaliação em instituições públicas; 
  7. O instrumento poderá desarticular relações sociais construídas ao longo dos anos entre colegas de um mesmo departamento, que, até então, se baseavam em ações colaborativas; 
  8. Ao solicitar, no item produtividade, a comprovação documental do Currículo Lattes – algo que nem mesmo as agências de fomento solicitam em seus editais – o instrumento parte do pressuposto de que o docente falta com a verdade. Dessa forma, tem-se instalado, de saída, um julgamento pejorativo do docente e do funcionário público.  
A estes aspectosagregamos outras críticas sobre os itens de avaliação docente:  
  1. Em relação às relações interpessoais, trata-se de avaliação feita por pares de forma absolutamente subjetiva. Ao contrário do que se pretende, tal avaliação incorrerá em um sistema de vigilância constante entre os docentes, podendo levar, até mesmo, ao acirramento de disputas, competições e retaliações. Em última instância, criar-se-á uma atmosfera adversa à liberdade de expressão e de cátedra no âmbito da universidade, sobretudo quando houver divergências de natureza política e ideológica; 
  2. Sobre os critérios de assiduidade, disciplina e eficiência, sabe-se que os docentes já são exaustivamente avaliados, seja por meio das folha-ponto, da presença nas aulas de graduação e pós-graduação, das regras para publicação científica e elaboração de atividades públicas de pesquisa e extensão, do planejamento e a elaboração de aulas, das regras para avaliação discente, do controle de horários de aulas, da produção de relatórios de atividades, das regras do vínculo funcional estatutário e disposições regimentais, das normas de órgãos de fomento e pesquisa,  da participação em reuniões de departamento, da ocupação de cargos administrativos e, atualmente, das duplas jornadas de trabalho, uma vez que muitos departamentos sequer possuem secretário(a)s que possam auxiliar nas tarefas burocráticas; 
  3. O instrumento implicará a imposição de mais uma tarefa burocrática a já longa e exaustiva jornada de trabalho docente. 
O Avesso do Instrumento  Após análise exaustiva do instrumento proposto, e levando-se em consideração as contribuições oriundas de diversos departamentos e centros de estudos da UEL, apresentamos alguns dos problemas encontrados em cada um dos seguintes tópicos: I. Relações interpessoais; II. Assiduidade; III. Disciplina; e, finalmente, IV. Eficiência.   I) Relações interpessoais a) O item possui um caráter naturalmente subjetivo, que depende das percepções de quem avalia, partindo de suas experiências, crenças e afetos; os conceitos e termos estabelecidos neste item dão margem a diferentes interpretações. Sabe-se, no entanto, que o serviço público possui natureza impessoal, devendo obedecer a parâmetros técnicos e legais em primeiro lugar;  b) A avaliação por pares pode ser tendenciosa, já que, ao assumir o papel de “avaliador” de um colega de trabalho, o docente poderá ter um impacto desfavorável nas suas relações sociais, o que, por sua vez, poderá ser considerado quando ele próprio for avaliado;  c) Esse caráter subjetivo da avaliação pode interferir, inclusive, na liberdade de cátedra do docente, uma vez que ele estará sujeito a julgamento pelos seus pares por ser quem é, e não por seu trabalho, tornando-o, ainda, refém de humores de chefes e colegas. Finalmente, sempre haverá o risco de o interesse do julgador estar presente no resultado da avaliação.  II. Assiduidade a) A assiduidade já é aspecto avaliado pela instituição através da folha-ponto, da presença nas aulas e reuniões e demais atividades acadêmicas; b) As chefias de departamento e os colegiados de cursos têm trabalhado sem o suporte da secretaria, por falta de funcionários. Assim, além de sobreposição de instrumentos avaliativos sobre a assiduidade, ocorrerá, também, maior demanda de trabalho para os docentes com cargos administrativos e o consequente acúmulo de funções e atribuições. III. Disciplina  Este item indica duplicidade de controle e possível punição. O Regimento Geral da UEL já trata do assunto com o devido rigor e determina que o docente responderá perante a instituição, caso infrinja normas que regem a universidade e o serviço público. Vale enfatizar que, por um princípio jurídico fundamental, o docente jamais poderá ser punido duas vezes pelo mesmo erro.  IV. Eficiência a) Ao ser admitido – após aprovação em concurso público que atende às exigências de um processo avaliativo como prevê o Regulamento Geral da UEL – o docente está sujeito a um contrato que expressará sua carga horária de trabalho e as atividades a serem realizadas de acordo com o mesmo regimento e que serão organizadas e distribuídas pelas chefias de departamento. O devido cumprimento de tais atividades, que comporá o bom funcionamento da universidade como um todo, é, como já exposto, constantemente avaliado e observado pela comunidade universitária, não havendo necessidade de comprovação outra que os próprios resultados do trabalho realizado pelo docente;   b) Pergunta-se: Quais são as prioridades dos formulários? O instrumento de avaliação faz jus às condições avaliativas para a seleção dos docentes? Quais atividades pesam mais nessa avaliação (ensino, pesquisa, extensão ou gestão)? O professor pode ter carga horária maior para ensino e menor para a pesquisa? Como ponderar estas particularidades?   e) Cabe à universidade, junto com um corpo docente plural, complexo e diversificado, garantir o tripé ensino, pesquisa e extensão;  f) O item baseia-se em um controle métrico das atividades realizadas pelo docente e não considera as especificidades de cada departamento;  g) Sobre a produção intelectual, a UEL já conta com tabelas de pontuação específicas relativas à produção do docente. Tais tabelas são utilizadas para a aquisição de bolsas para estudantes – por exemplo, as bolsas de Iniciação Científica – e para as mudanças de nível. Pode-se dizer que, além de mais uma vez sobrepor-se a instrumentos de avaliação já existentes, a proposta ignora as dinâmicas de produção das diversas áreas do conhecimento, bem como as condições específicas da produção individualcomo, por exemplo, fato de o docente estar no início, meio ou fim da sua carreira, o perfil da área de pesquisa, a historicidade de programas de pós-graduação, as demandas contraditórias dos departamentos, entre outras;   h) Sobre o item avaliação de unidades curriculares, o acompanhamento/monitoramento acadêmico/pedagógico já é realizado pelos colegiados dos cursos e pelos núcleos docentes estruturantes. A autonomia destas instâncias, bem como as especificidades de cada área/departamento, deve ser considerada;  i) Em relação à avaliação discente, já existem mecanismos para a sua realização através dos colegiados dos cursos. Os discentes, por meio desses mecanismos, poderão participar de um processo avaliativo em relação ao currículo, ao processo de ensino-aprendizagem, às estratégias pedagógicas e ao cumprimento do programa da disciplina, contribuindo, dessa forma, para o aprimoramento acadêmico e curricular;   j) Sobre a autoavaliação é de fundamental importância entender que qualquer reflexão do docente sobre seu trabalho deve englobar as condições materiais objetivas, ou seja, as reais condições de trabalho na UEL, paulatinamente deterioradas pelas indigentes políticas públicas no setor educacional. Não é demais lembrar do estrangulamento da verba de custeio promovido por diversos governos, da falta de concurso público para docentes e agentes universitários, da super exploração de docentes em contrato temporáriodas dificuldades que os centros de estudos têm para a manutenção das instalações prediais, do arrocho salarial que hoje beira 24%do congelamento das promoções e progressões etc.   Como se não bastassem todos os ataques que as universidades públicas brasileiras, em geral, e as paranaenses, em particular, vêm sofrendo nos últimos anos, por parte de governos sem nenhum compromisso com os serviços públicos e seus servidores, ainda temos uma proposta de avaliação docente que, caso aprovada, significará um verdadeiro retrocesso nas relações sociais e acadêmicas historicamente construídas ao longo de décadas. A história e o comprometimento da universidade pública com a sociedade impedem que ela compactue com aparatos cuja lógica é a do mercado, sempre pronto a classificar e avaliar os trabalhadores em termos quantitativos e produtivistas. Nesse sentido, cabe ressaltar que a subjetividade de certos critérios elencados no documento serve a essa mesma lógica, pois cria, em última instância, condições para o acirramento de disputas e competitividade entre os docentes. Opomo-nos, portanto, à imposição do instrumento e reiteramos nosso compromisso com a autonomia da universidade pública, gratuita, laica e democrática.  

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