- Por sindiproladuel
- postado em 10 de abril 2012
- em Artigos
Antonio Baccarin
Prof. Adjunto, de Direito Administrativo, do Curso de Direito da UEL
Revista da ADUEL, setembro de 2003
Muito se tem digredido sobre o tema autonomia universitária. Entretanto, as discussões adentram ao campo teórico e nem sempre traduzem propostas concretas no sentido de se amenizar os conflitos infindáveis entre a Universidade e o Estado. Por óbvio, os debates em torno do assunto devem ocorrer sempre, pois as Universidades e o Estado, por suas próprias naturezas institucionais, exprimem conteúdos de natureza diversa. A Universidade tem por escopo o livre pensar, a pesquisa, a criação, a disseminação de conhecimentos e, em face disso, é de sua essência o culto à liberdade, não porque ela por si só se justifique como sede do saber, mas porque se concretiza institucionalmente como reunião de seres humanos, estes sim detentores da verdadeira independência cuja consciência leva ao cultivo da independência do saber. Por esses fundamentos, constata-se que as reflexões pertinentes à autonomia são infindáveis na medida em que revela a sede insaciável do homem em buscar a perfeição. Como se vê, esta moldura conceitual transcende a aspectos meramente jurídicos e reflete a própria dimensão do ser humano que, por sua natureza, não se conforma com as expressões estáticas de sua infinitude intelectual. Pretender limitar essa dimensão infinita é atentar contra a liberdade intrínseca que impulsiona a busca incessante do saber que leva a um novo saber. Esse mesmo homem – centro de liberdade, criação e saber – enquanto expressão de uma individualidade, situa-se em um determinado momento da história e nele planta o fruto de seu intelecto. Para que isso ocorra com liberdade e autonomia faz-se necessário instrumentalizar os meios que propiciam ao homem as condições ideais para que exercite o livre pensar. Essa instrumentalização é, em verdade, quem impulsiona o debate acerca de como e quando o homem estará ambientado para poder expressar sua liberdade e criar. Como se vê, há duas frentes de embates: uma de caráter filosófico, que permeia a vida acadêmica e busca construir conceitos; outra, com perfil operacional, que tem a Universidade de um lado a exigir que não se lhe imponham peias, e de outro lado o Estado, cuja pretensão é exatamente oposta, vale dizer, fixar limites, interferir, controlar a ação institucional sob o argumento de inexistir recursos ou de fiscalizar a sua aplicação segundo conceitos ora de técnicas administrativas, ora político, ora jurídico. Os litígios entre as partes envolvidas fizeram com que a autonomia universitária fosse consagrada em sede constitucional, mais precisamente no artigo 207 da Constituição Federal de 1988, onde ficou assente que as Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial…”. A Constituição Estadual, por óbvio, reproduziu o preceito, que a bem da verdade não foi inovador, pois a Lei Federal 5.540 de 1968 – lei que definiu as diretrizes do ensino superior – já consagrava tal autonomia em seu artigo 30. O regramento, de clareza solar, mesmo lançado na Constituição Federal, ao longo do tempo não foi respeitado e novos confrontos entre Universidade e Estado aconteceram e acontecem. Desse embate, cuja natureza é naturalmente conflituosa, nasceu a necessidade da Universidade paranaense insurgir-se formalmente contra o Governo do Estado do Paraná no ano de 1992. À época, as limitações e interferências chegaram a ser grosseiras, pois pretendia-se limitar e controlar tudo ao âmbito da Universidade. A tal ponto que o Reitor de então, em decisão histórica, convocou sua Assessoria Jurídica e pediu providências judiciais contra o Governo do Estado objetivando a preservação da autonomia consagrada constitucionalmente. Foi então que as Universidades de Londrina e Maringá ousaram propor mandado de segurança cujo escopo foi a preservação da autonomia garantida pelas suas leis de criação e pela Constituição. Da insurgência, corporificada em mandado de segurança proposto junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, emergiu um acórdão histórico e de rico conteúdo conceitual e filosófico. Com certeza é o mais importante julgado brasileiro a respeito da autonomia universitária pela sua amplitude e riqueza de conteúdo. Nele encontramos fundamentos que embasam a decisão consagradora da autonomia das Universidades insurgentes, tais como a de que a autonomia lançada na Constituição “retirou as universidades dos azares e percalços atinentes à administração publica, reservando-lhes papel que extrapola as normas do serviço público, resguardando-as da submissão a concepções de um momento político determinado e passageiro”. Posteriormente, citando o eminente constitucionalista brasileiro,Professor Anísio Teixeira,que exalta a liberdade de apreender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte e o saber, como um princípio basilar do ensino, o acórdão registra que “para isto precisam viver a atmosfera de autonomia e estímulos vigorosos de experimentação, ensaio e renovação”, para depois concluir: “Não é por simples acidente que as universidades se constituem em comunidades de mestre e discípulos, casando a experiência de uns com o ardor e a mocidade de outros. Elas não são, com efeito, apenas instituições de ensino e pesquisa, mas sociedades devotadas ao livre, desinteressado e deliberado cultivo da inteligência e do espírito e fundadas na esperança do progresso humano pelo progresso da razão.” Estas pérolas principiológicas desalojaram-se do livre pensar para serem transformadas em instrumentos pragmáticos de vivenciamento da autonomia. O Poder Judiciário paranaense decretou e, com isso, transformou o ideal – ao menos de um momento – em realidade objetiva que não pode ser conspurcada por condutas motivadas pelo exacerbamento de pretensões personalistas de um determinado momento político. As instituições governamentais devem absoluto respeito à decisão prolatada e as Universidades não podem transigir quanto aos seus ricos conteúdos, mas ao contrário, têm o compromisso impostergável de exigir o seu pleno cumprimento para que os fundamentos maiores de sua razão de ser não soçobrem em face as tentativas permanentes de mediocrização das liberdades e do livre pensar. Este ideal de liberdade não morre porque é da natureza humana e, buscá-lo, obstinadamente, é dever de consciência de cada um.